Corte europeia julga veto ao uso de burca na França

A Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu julgar se os países da Europa podem impedir que mulheres usem burcas ou outras vestimentas religiosas que cubram o rosto. A questão vai ser julgada direto pela câmara principal de julgamentos e a decisão será definitiva. O anúncio foi feito pelo tribunal nesta quinta-feira (30/5).

O caso foi levado à corte por uma muçulmana que mora na França. Desde abril de 2011, o uso de burcas está proibido no país por conta de uma lei que impede qualquer pessoa de esconder o rosto em locais públicos. A mulher alega que a proibição viola direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, de religião e seu direito de escolher de que maneira se vestir. Ela também classifica a legislação como discriminatória, já que atinge especialmente os muçulmanos.

A questão deveria ser julgado primeiro por uma das seções da corte europeia e, só em caso de recurso, ser analisado pela câmara principal, que é também o órgão de apelação no tribunal. Mas por conta da complexidade da discussão e da sua repercussão, os juízes decidiram que a reclamação deveria pular uma etapa e ser analisada direto pela câmara principal.

Controle da fé
O uso de véus que cobrem o rosto é motivo de polêmica em praticamente toda a Europa. Em pelo menos três ocasiões a Corte Europeia de Direitos Humanos já decidiu que o véu pode ser proibido em escolas e universidades. Na Suíça, uma professora de escola primária foi proibida de usá-lo para dar aulas e resolveu reclamar para o tribunal europeu.

Os juízes europeus consideraram que a proibição era razoável. Justificaram que crianças de quatro a oito anos, faixa etária dos alunos da professora muçulmana, são mais influenciáveis e ela cuidava dos menores como representante do Estado.

Quatro anos depois, foi a vez de uma estudante universitária na Turquia defender seu direito de assistir a aulas com os cabelos cobertos. Não deu certo. A corte europeia considerou que não havia nenhum direito violado. A Corte Constitucional turca decidiu, em 1991, que usar o véu islâmico nas universidades viola a Constituição do país. Para os juízes europeus, a aluna já devia saber da proibição antes de entrar na universidade. A solução da universitária foi terminar os estudos na Áustria, onde véu e faculdade são compatíveis.

Na ocasião deste julgamento, o tribunal europeu firmou o entendimento de que a interferência na liberdade de religião pode ser necessária numa sociedade democrática. Os juízes consideraram que a proibição é bem-vinda dentro do contexto histórico-cultural da Turquia. O país, que é predominantemente muçulmano, vem tentando resgatar os direitos e garantias das mulheres. A corte europeia observou que é grande o impacto do véu, que ainda é considerado por muitos um dever religioso obrigatório, na sociedade. Restringir o seu uso é um meio para buscar o estabelecimento da liberdade tanto das mulheres como das minorias religiosas.

A mesma garantia dos direitos e liberdades alheios serviu como fundamento para a corte validar a expulsão de alunas de escola pública na França, que insistiram em usar o véu, e de alunos que usavam turbante. A corte julgou que os motivos apresentados pelas escolas eram razoáveis. Em um dos casos, as meninas não tiravam o véu para fazer aula de educação física e a escola considerou que o traje era perigoso na prática de esportes. No outro caso, os meninos com turbante foram banidos com base numa lei que impede o uso de qualquer símbolo religioso ostensivo.

Ao analisar as reclamações, a Corte Europeia de Direitos Humanos ressaltou a importância da separação entre Estado e religião. A proibição dos trajes religiosos nas escolas públicas é justificável em prol do secularismo, explicaram os juízes. Eles consideraram que a alternativa para as crianças conciliarem crença religiosa com estudo é fazer cursos por correspondência, disponíveis na França.

A restrição aos trajes chancelada pelo tribunal europeu não se aplica, no entanto, aos espaços públicos abertos. Na Turquia, por exemplo, um grupo de religiosos foi condenado por andar pelas ruas vestido com trajes e símbolos que expressavam sua fé. A reclamação foi levada à corte europeia e, em 2010, os juízes europeus decidiram que o direito à liberdade de religião foi violado. Tudo bem restringir a expressão religiosa em estabelecimentos públicos onde deve prevalecer a neutralidade religiosa. Impedir essa expressão em nas ruas, não.

Uma das ocasiões onde o choque cultural entre muçulmanos e não muçulmanos fica evidente acontece nos aeroportos, mais precisamente na revista de segurança. Uma marroquina casada com um francês não conseguiu passar por esse momento. Ela foi barrada antes, no consulado da França em Marrocos, quando se recusou a tirar o véu na frente de um funcionário homem e deixou o consulado sem o visto francês.

Fatima El Morsli reclamou à Corte Europeia de Direitos Humanos. Além de apontar ofensa à liberdade de religião, ela alegou que também teve violado seu direito ao respeito pela vida privada e familiar. Os juízes europeus não concordaram. Para eles, ela precisava tirar o véu para poder ser mais bem identificada. A medida era necessária para garantir a segurança pública. A corte também considerou que a obrigação de retirar o véu era por um período muito curto de tempo, não o suficiente para violar qualquer direito.

Fonte: Revista Consultor Jurídico