A difícil vida das fiéis do Islã que usam o véu no Rio

Distância geográfica, preconceito religioso e costumes liberais de cidade de praia tornam o carioca arredio às muçulmanas

Rio – Motivo de polêmica em vários países do Ocidente, a adoção do hijab (o véu) e de outros hábitos do Islã exige fé e perseverança para conviver com o preconceito. Na França, país da ‘liberdade, igualdade e fraternidade’, o véu é proibido em nome da equivalência de direitos entre homens e mulheres. Com poucos fiéis e a natural resistência de uma cultura de praia e costumes liberais, a mais de um oceano de distância do Oriente Médio, o Rio é cenário ainda mais difícil para a prática do islamismo. Sem contar a confusão que se faz por aqui entre o Islã e a presença do terrorismo em alguns países onde ele é a religião oficial.

A conversão — ou reversão, termo usado pelos fiéis, que acreditam que todos nascem muçulmanos — é mais difícil de ser feita pela mulher. “Quando vou ao Centro, sempre tem algum engraçadinho gritando ‘Lá vai a mulher-bomba’, ou então ‘Olha lá a emissária do Bin Laden’. Eu prefiro reagir com bom humor. Se a gente for esquentar a cabeça com tudo, não faz outra coisa”, brinca Zahreen Adira, 44 anos. Nascida Maximiana Santos da Silva em família de cristãos, foi no pai ateu que Zahreen encontrou apoio para a reversão.

“Não foi muito traumático porque eu já trabalhava com dança do ventre, e Zahreen era meu nome artístico. Eu já estava preparada para o preconceito porque o desconhecimento é grande. A vantagem é que, como moro em Japeri e aqui há muitos crentes, eles já são alvo de preconceito e, talvez por isso, se identificam com a causa e não me perturbam”, brinca.

REUNIÕES ÀS SEXTAS- FEIRAS

Casada com Sami Isbelle, diretor do departamento educacional da Sociedade Brasileira Muçulmana do Rio, Jamila Isbelle diz que o o hijab protege a mulher dos olhares de outras mulheres e da tentação dos homens. “As pessoas acham que o véu reprime, mas é uma proteção para a mulher. Em árabe, hijab significa proteção”, ensina.

Atualmente, segundo Sami, há cerca de 500 mulheres em 200 famílias muçulmanas no Rio. Elas se reúnem às sextas-feiras na Rua Gonzaga Bastos, na Tijuca, para a tradicional oração, que é aberta ao público. “Todos os anos, em março, fazemos um curso de introdução ao Islã e à Língua Árabe. E também é aberto a todos”, convida Sami.

Prazer sexual feminino é estimulado

A vida sexual das muçulmanas sempre atiçou a curiosidade dos ocidentais. A crença de que por baixo dos véus há uma secular opressão masculina cai por terra na primeira conversa com uma delas.

“O prazer sexual no Islamismo sempre foi estimulado, ao contrário do que muita gente pensa e do que acontece em tantas outras religiões”, explica Jamila Isbelle.

Os muçulmanos seguem à risca um dos mandamentos do profeta Muhammad: “Não tenhais relações com vossas esposas como os animais. Que haja entre vós uma ligação”. Quando perguntado que ligação seria essa, o profeta respondeu: “O beijo e a conversa.”

As únicas restrições do Islã são a prática do sexo anal e durante o período menstrual. Mas, diferentemente de outras culturas e religiões, a mulher pode pedir o divórcio caso o marido não a satisfaça sexualmente.

“As pessoas são muito ignorantes quando o assunto é o Islamismo. Ninguém faz a menor ideia do que seja, por isso há tanto preconceito”, conta a bem-humorada Zahreen Adira.

Curiosidade levou cineasta a produzir filme sobre o Islã

Morador de Santa Teresa, o cineasta Paulo Halm, roteirista de sucessos como ‘Meu Nome Não é Johnny’, ‘Quem Matou Pixote?’ e ‘Pequeno Dicionário Amoroso’, surpreendeu-se há alguns anos com a insólita presença de algumas muçulmanas no Centro do Rio e decidiu produzir o documentário ‘Hijab — Mulheres de Véu’, que trata dos hábitos dessas pessoas no Rio.

“Foi por pura curiosidade, já que a opção religiosa delas choca as pessoas no mundo ocidental pelo pitoresco. E elas acabam estigmatizadas”, conta o cineasta, que acaba de lançar o filme.

A relação com as muçulmanas não foi fácil. Paulo Halm conta que houve uma rejeição inicial, causada pela forma como a mídia costuma tratar o Islã.

“Foi um processo longo. Tive que ganhar a confiança deles, mas, depois que isso aconteceu, mostraram uma generosidade incrível”, conta Halm.

Para o cineasta, a convivência com as muçulmanas acabou se tornando um grande aprendizado.

“Pessoas aparentemente diferentes são parecidíssimas conosco. A questão da opressão sexual não é nada diferente do que acontece com católicas, protestantes e ateias, por exemplo”.

Profeta Maomé, criador da religião

O islamismo é uma religião fundada pelo profeta Maomé, no século VII, na Arábia Saudita. O muçulmano segue o Islã, que significa ‘submissão’, quando este refere-se à obrigação de seus seguidores em seguir incondicionalmente o desejo de Deus. Para eles, não existe outro Deus. Alá significa Deus, em árabe. É importante frisar que apenas uma minoria dos cerca de 1,25 bilhão de religiosos é adepta de um radicalismo interpretado em ensinamentos de Maomé.

Os muçulmanos têm o Alcorão, ou Corão, como livro sagrado. Acreditam que se trata da palavra literal de Alá ao profeta Maomé. Segundo seguidores, o livro não deve ser vendido, e, sim, dado.

O estigma da opressão sexual causada pelo uso do véu é comum no mundo ocidental, o que causa indignação no mundo islâmico devido ao completo desconhecimento por parte dos não-praticantes.

“Há 14 séculos, o Islã garantiu à mulher o direito de estudar. A busca pelo conhecimento é uma obrigação da mulher, para que ela possa melhor instruir os filhos”, ensina Jamila Isbelle.

Fonte: O Dia.