Por Jomar Martins
A 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve sentença que condenou jornal e jornalista que, extrapolando no direito de informar, feriram a honra e a imagem de uma procuradora municipal. Ambos personalizaram o debate sobre atos da administração municipal e atingiram a privacidade da procuradora, faltando com o dever de cautela. Os desembargadores, contudo, entenderam por reduzir o valor da indenização por dano moral — de R$ 10 mil para R$ 4 mil.
O caso é originário da Comarca de Santo Antônio da Patrulha, distante 73km de Porto Alegre. Uma semana após conceder entrevista a uma rádio comunitária local, em que tratou dos procedimentos da administração sobre a lei que estipula o tempo de espera nas filas dos bancos, a procuradora foi surpreendida pela publicação de uma “Carta à doutora Maria Alice Holmer”. A notícia foi publicada no dia 25 de junho de 2008, no Correio de Santo Antônio e Litoral, assinada pelo jornalista Nelson de Moraes Dutra.
O conteúdo da “Carta” era recheado de críticas à ação da procuradora. Num dos trechos, o jornalista a responsabiliza diretamente por não cumprir integralmente a lei. “Com a responsabilidade do cargo que a senhora ocupa, junto com seus pares, faça cumprir a lei por inteiro, doutora Maria Alice e, desta forma, defenda o contribuinte, seu verdadeiro patrão.”
Sentindo-se atingida na sua honra, a procuradora ajuizou uma ação indenizatória. Sustentou que a publicação da coluna, em jornal que circula na região onde reside e atua como advogada, trouxe-lhe grande constrangimento. Pediu a condenação do jornal e do jornalista e o pagamento de danos morais, pelo abalo sofrido.
Ambos se defenderam, alegando que as críticas foram dirigidas à administração municipal, que insistia em descumprir a legislação que regula o tempo de espera para atendimento nos bancos — e não a pessoa da procuradora. Em síntese, argumentaram que a informação jornalística encontra-se consubstanciada na liberdade de imprensa e no interesse público. Por fim, afirmaram que a autora abriu mão do seu direito de resposta, preferindo o ajuizamento da presente ação — o que demonstra pretensão de enriquecimento ilícito.
A juíza de Direito da 2ª Vara da Comarca, Elisabete Maria Kirschke, de início, ressaltou que o título — “Carta à doutora Maria Alice Holmer” — não deixava dúvida quanto a quem a matéria era dirigida, já que possuía um caráter chamativo aos leitores do periódico, ocupando metade de uma página. Depois de citar trechos da coluna assinada, a juíza disse que o jornalista não se limitou a criticar a atuação da municipalidado, o que seria absolutamente legítimo, mas excedeu-se em seu jus reclamandi, personalizando o debate. Chegou a afirmar, inclusive, que a procuradora, junto com a administração, representa a incompetência.
Para a juíza, a crítica à atuação dos governantes públicos, bem como de seus subalternos, faz parte da democracia e deve ser defendida e estimulada. O principal papel da imprensa, agregou, é justamente o de informar à população a respeito dos fatos que dizem respeito a sociedade, inclusive, tecendo opiniões a esse respeito. Porém, a liberdade de informação deve ceder sempre diante de eventual excesso, até mesmo culposo, como é o caso do autor da coluna.
“Atribuir à autora, de forma pública, a pecha de ‘incompetente’, bem como de que estaria agindo de forma contrária ao interesse público, não defendendo ‘o seu verdadeiro patrão’, sem dúvida, caracteriza ofensa a sua honra, não sendo justificável tal conduta”, arrematou a juíza, ao condenar o veículo e o jornalista — de forma solidária — a pagarem R$ 10 mil de indenização por danos morais.
A editora e o profissional apelaram ao Tribunal de Justiça, argumentando que a crítica foi direcionada à servidora pública no exercício de suas funções. Sustentaram não haver prova nos autos de que os fatos noticiados sejam inverídicos, assim como qualquer demonstração de abuso, má-fé ou negligência de sua parte. Alternativamente, pediram a redução do quantum indenizatório. O colunista citou, também, que foi absolvido da esfera criminal da queixa-crime ajuizada pela autora.
O relator do recurso de Apelação, Artur Arnildo Ludwig, no mérito, concordou com a sentença da juíza da Comarca. Conforme destacou no acórdão, a matéria veiculada possui um caráter claro de ofensa à integridade moral da autora, denegrindo sua imagem como pessoa e como servidora pública diante da comunidade de Santo Antônio da Patrulha.
“Conclui-se, portanto, que, à toda evidência, a parte requerida extrapolou os limites do seu direito de expressão, confrontando-se com o disposto no artigo 220, parágrafo1º, da Constituição Federal, faltando com o seu dever de cautela, já que não se limitou a emitir opinião acerca de atos da administração do município, mas personalizou o debate sobre o problema, atingindo a esfera da privacidade, da honra e da imagem da autora.”
O desembargador-relator entendeu que o valor, entretanto, deveria ser reduzido de R$ 10 mil para R$ 4 mil, “já que se trata de editora jornalística local, provavelmente de médio ou pequeno porte”. O voto foi acompanhado pelos desembargadores Ney Wiedmann Neto e Luís Augusto Coelho Braga, em julgamento realizado no dia 27 de outubro.
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Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 27 de dezembro de 2011
http://www.conjur.com.br/2011-dez-27/critica-jornalistica-objetivo-ferir-pessoa-enseja-dano-moral – Acesso: 30.12.2011