A Justiça do Trabalho em Mato Grosso condenou uma empresa do ramo de prestação de serviços a indenizar, por danos morais, uma ex-empregada, obrigada a participar de culto religioso todos os dias antes de começar o expediente. O caso foi julgado pela 1ª Turma do TRT/MT. O valor da condenação arbitrada foi de cinco mil reais.
A empresa já ajuizou pedido de Recurso de Revista para tentar reverter a decisão no Tribunal Superior do Trabalho (TST). A análise da admissibilidade do recurso, quando se verifica se o caso pode ser submetido a um novo julgamento, desta vez em Brasília, deve sair nas próximas semanas.
O processo trata de uma trabalhadora que atuava na limpeza e coleta do lixo produzido no ambiente acadêmico da Universidade Federal de Mato Grosso, campus de Barra do Garças. Entre as práticas a que era submetida, juntamente com outros colegas do setor, estava a leitura diária do livro “Momentos de Sabedoria”, de orientação religiosa, o qual deveria ser explicado para avaliação da compreensão do texto. A rotina também incluía fazer orações em grupo.
O assédio era praticado pela encarregada da empresa terceirizada. Segundo as testemunhas ouvidas pela Justiça, a superior afirmava que a leitura do livro era norma da empresa. Quem se recusava a participar acabava perseguido e maltratado, recebendo, inclusive, maior volume de serviço. O assédio ainda contava com episódios de humilhações em público, alguns, inclusive, na frente dos alunos da Universidade.
Uma das testemunhas afirmou que o caso chegou a ser informado à administração da empresa, em Cuiabá, por meio de uma carta escrita por um dos trabalhadores do setor. O comunicado, todavia, não surtiu efeito.
Na defesa apresentada no TRT, a empresa disse que a conduta da superior não tinha o propósito de agredir a liberdade religiosa de ninguém. Sustentou, ainda, que o fato da encarregada divulgar sua religião de maneira insistente também não poderia ser considerado assédio, já que, “inobstante o direito de liberdade de culto, fato é que é corriqueiro encontrarmos pessoas determinadas a converter outras pessoas a sua religião, independente de posição social”.
Para o juiz convocado Juliano Girardello, relator do processo no Tribunal, a conduta da encarregada não pode ser considerada regular, já que denota claramente o intuito de interferir nas convicções religiosas da trabalhadora, indo de encontro com direitos e garantias asseguras pela Constituição Federal, que decidiu adotar para nossa Nação o conceito de Estado Laico.
“Frise-se que esta situação se agrava pela circunstância de a interferência nas convicções religiosas ocorrer no âmbito da relação de emprego, no ambiente de trabalho e por parte da superior hierárquica da Autora, se confundindo de forma abusiva e irregular com a subordinação jurídica e impedindo, em face disso, de regular exercício do direito de resistência à prática religiosa imposta”, escreveu no voto.
O magistrado também contrapôs o argumento de defesa da empresa, afirmando que o exercício da liberdade religiosa deve merecer contenções, sob pena de restarem vulnerados outros direitos fundamentais das pessoas. “Em verdade, a liberdade de manifestação do pensamento que tutela o religioso, a fim de possibilitar a realização do proselitismo de sua seita, é a mesma que limita o seu raio de ação para igualmente proteger a opinião daquele que crê em fé diferente ou até não crê em rigorosamente nada”, sustentou Juliano Girardello, cujo voto foi acompanhado pelos demais integrantes da 1ª Turma.
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região